“O Congresso tornou-se uma casa reacionária mas ainda escuta o ronco das ruas”, escreve Tereza Cruvinel
O infame projeto que equipa o aborto após 22 semanas ao crime de homicídio não pode seguir tramitando. Não deve ter relator nem texto substitutivo. Não pode ser novamente colocado em pauta. Seu único destino tem que ser o arquivamento por inconstitucionalidade, por tentar nos transformar numa sociedade teocrática e fundamentalista, violando o princípio constitucional do Estado laico.
Nesta sexta-feira finalmente o Governo saiu do silêncio e juntou-se às vozes que nas últimas horas condenaram a proposta. Depois que a primeira dama Janja o criticou como absurdo e inaceitável nas redes, o ministro Alexandre Padilha avisou que o Governo será contra. Outros governistas estão saindo da muda. O presidente Lula deve pronunciar-se oficialmente quando já estiver no Brasil.
Houve, porém, a mão do presidente da Câmara, Arthur Lira, na trama da situação. Dono da pauta, ele acolheu o pedido de urgência e escolheu a hora e a forma de colocá-lo em votação. Mais uma vez, Lira criou dificuldade para vender facilidade ao Governo. Tendo prometido a votação do mérito para semana que vem, já disse que não o fará com tanta pressa. E cobrará para, amparado em algum recurso jurídico, mandar o projeto para o único destino que merece, o vasto arquivo das proposições inconstitucionais, poupando o Senado de apreciá-lo e o presidente de vetá-lo, se aprovado.
O que os governistas esperam é que, diante do desgaste, Lira busque uma recomendação jurídica da Casa para remeter o projeto à Comissão de Constituição e Justiça, onde uma declaração de inconstitucionalidade o mandaria para o arquivo. Não seria fácil, porque os bolsonaristas comandam a comissão presidida pela deputada extremista Caroline de Toni. A outra saída seria manter o projeto na gaveta indefinidamente mas isso não resolverá o problema. O bode continuará na sala, infestando o ambiente político.